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Foto do escritorCufa MS

Moradores da favela ‘Só Por Deus’ falam sobre o desafio de garantir a nutrição infantil na pandemia

Desemprego e pandemia tornam a alimentação precária para crianças, adultos e idosos da comunidade.


Ethieny Karen*

Adriana chega a ficar dias apenas se alimentando de café e arroz, para ter o que alimentar os filhos.


Em uma casa improvisada com tapumes, lona e um cercadinho feita com ferros e madeira doados, vivem Fovelayne Freitas, 34 anos, e seu filho. A alimentação da família depende do que os outros moradores da favela Só por Deus ou de instituições podem doar, pois ela está desempregada desde o começo da pandemia.


Campo Grande (MS) já foi conhecida por ser uma “capital sem favelas”. O “bordão” utilizado pelo então governador André Puccinelli e pelo prefeito Nelsinho Trad, tomou forma e caiu no senso comum dos campo-grandenses. Contudo, essa realidade está muito distante dos moradores da favela Só por Deus que sofrem com falta de moradia digna, água tratada e alimentos durante a pandemia de Covid-19.


A Favela Só por Deus, localizada no bairro Centro-Oeste, é um ponto incomum no meio das ruas asfaltadas e dos comércios da Avenida dos Cafezais, que estão a apenas cem metros de distância. As casas feitas de materiais improvisados como tapumes, lonas e madeira estão todas aglutinadas com uma separação modesta de pedaços de tapumes deitados para preservar um pouco de privacidade e segurança aos moradores. O nome “Só por Deus” foi dado devido às constantes brigas entre os homens da favela e à situação precária do local, sem serviço de energia e água.


A comunidade tem 7 anos e conta com 70 famílias, os antigos moradores são advindos da antiga favela Cidade de Deus, que foi desmantelada e os habitantes acabaram obrigados a buscar novas moradias em uma ocupação. Outros moradores vieram depois de perderem seus empregos e não conseguirem mais pagar o aluguel.


Marly Espínola, 48 anos, é líder da Favela Só por Deus. Ela é moradora da comunidade há cinco anos e aponta que a maior dificuldade é a alimentação. “Seria ótimo ter uma horta comunitária. Os problemas são os mesmos de sempre: a alimentação, a gente não tem rede de água e de esgoto. A alimentação é precária para as crianças, adultos e idosos.”


As 60 crianças que brincam na terra vermelha da comunidade têm diversas idades e todas sentem as consequências da escassez de alimentos. As mães relatam que já tiveram que ficar sem comer ou comendo apenas uma vez por dia para poder dar o mínimo às crianças, mas muitas delas não têm acesso a alimentos básicos como leite e pão.


Adriana Pereira, 34 anos, tem 6 filhos e está grávida do sétimo. Ela relata que não consegue trabalho e com a pandemia os problemas só aumentaram. Os R$ 175 do Bolsa-família não são suficientes para suprir todos os gastos com alimentação. “Os vizinhos que me ajudam. O que eu como é só arroz e feijão no almoço para não passar fome, o resto do dia acabo ficando sem comer nada.”


Ela ainda relata que não recebe o kit-merenda – uma cesta básica que as escolas municipais e estaduais dão para as famílias dos alunos matriculados. Daniela Pereira, filha de Adriana, tem 16 anos, está no 6º ano e se queixa da falta de comida. “Eu sinto falta de comer bolo, massas e essas coisas. Só vem apenas o básico nas cestas e a gente come o que tem”.


Os irmãos menores dizem sentir vontade de comer bolachas, pão, leite e iogurte, mas a mãe não tem como proporcionar essas opções a eles. A casa em que vivem os sete ainda abriga um sobrinho de Adriana. Existem apenas dois cômodos, o banheiro fica lá fora. O que divide a cozinha do quarto onde Adriana dorme com os cinco filhos é um lençol improvisado. A cozinha é pequena e dentro da geladeira há apenas garrafas d’água e uma panela de arroz. Dentro dos armários, apenas sacos de arroz, um óleo e um feijão. “E é assim que a gente vive”, relata a mãe.


A realidade vivida na comunidade faz parte de um contexto nacional. De acordo com o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia, conduzido pela Rede PENSSAN, 43,4 milhões de pessoas vivem em insegurança alimentar leve ou moderada e 19,1 milhões chegam a passar fome.


Mesmo estando quase no final da gravidez, a privação de alimentação dificulta ganho de peso do bebê de Adriana


Esse impacto na alimentação das crianças pode ocasionar problemas durante toda a vida, como aponta a nutricionista Maíra Ozorio, especialista em nutrição infantil. Ela ressalta a importância de uma boa alimentação durante todas as fases da vida. “A gestante tem que estar muito bem nutrida, porque a deficiência nesse estado pode trazer muito dano a esse bebê. Essa nutrição nos primeiros anos de vida é um fator decisivo para o crescimento desenvolvimento dessa criança”.


Maíra complementa que com valor do novo auxílio emergencial – R$ 150 – é praticamente impossível que uma família de, em média, quatro pessoas tenha uma alimentação balanceada e que a alimentação não aconteça somente uma vez por dia. “Infelizmente é a realidade que temos no momento, mas o valor é muito baixo para as famílias. Os alimentos que eu indicaria são os alimentos menos processados possíveis. Como arroz, feijão, farinha à base de milho e de mandioca, batata, batata doce, comprar macarrão comum, comprar frutas da época, verduras e legumes da época. Menos ultraprocessados e alimentos mais naturais possíveis.”


Quer saber como ajudar as famílias da periferia de Campo Grande. Doe através da nossa conta ou nossos pontos de coleta.





Ethieny Karen é bolsista na região Centro-Oeste do projeto Jornalismo e Território, realizado pela Énois Laboratório de Jornalismo.

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